quarta-feira, 14 de maio de 2014

7º ENCONTRO:

Nesta data não houve encontro presencial e sim atividade de educação a distância. Isso permitiu uma postagem sobre um tema em alta no mundo da educação: transdisciplinaridade.


A TRANSDISCIPLINARIDADE É UMA OPÇÃO DE VIDA


Silvia Helena Mousinho
Professora de Física, coordenadora de Estágio Supervisionado III (CEDERJ/UERJ)

Márcia Spíndola
Professora de Matemática, coordenadora de Estágio Supervisionado IV (CEDERJ/UERJ)


Agir, eis a inteligência verdadeira. Serei o que quiser. Mas tenho que querer o que for. O êxito está em ter êxito, e não em ter condições de êxito. Condições de palácio tem qualquer terra larga, mas onde estará o palácio se não o fizerem ali?
Fernando Pessoa

Primeiras palavras

Apesar de o tema estar “na moda”, o que ainda observamos quando o assunto é transdisciplinaridade revela a dicotomia existente entre teoria e prática, ou melhor, entre concepções teóricas e realidade.

Somos seres humanos “viciados” na reprodução do modelo cartesiano, mecanicista. Ainda nos comportamos como máquinas, analisando peças e a forma como elas se relacionam nas estruturas, supervalorizando as “partes” em detrimento de uma visão de conjunto.

Na Educação, a fragmentação do conhecimento, que recebeu o nome de “divisão disciplinar” e foi instituída no século XIX com a formação das universidades modernas, reconhece na compartimentalização dos currículos escolares em disciplinas que o atual modelo já não dá conta de responder as questões que a realidade mostra.

Vivemos em um período de transição, na tentativa de “juntar os pedaços” que as concepções positivistas do século XX legaram, fazendo-nos acreditar na dualidade corpo-mente, pensamento-sentimento, ciência-espiritualidade. O desenvolvimento de determinado setor não pode implicar perdas irreversíveis para outros setores de igual importância para o bem-estar da humanidade. É questão de sobrevivência buscar novos caminhos que confluam para uma profunda transformação nas relações do homem com o homem, do homem com a natureza e do homem com as suas criações, sem que uma se sobreponha à outra.

A educação é um processo essencialmente interior. Trabalhar visando à transdisciplinaridade é uma oportunidade ímpar de melhorar as formas de ensinar e de aprender, tornando-as muito mais prazerosas e eficientes. Quando tomamos consciência desse fato, a percepção e a sensibilidade nos conduzem à necessidade de transcender a especificidade disciplinar e enveredar por diferentes campos de conhecimento sem a identificação com apenas um deles. A flexibilização das propostas educacionais possibilita que o aluno construa os caminhos de sua aprendizagem com autonomia. Desse modo, o processo educativo contribui para formar a personalidade e o caráter do aluno, que se expressarão por meio dos seus valores e das suas escolhas, da sua postura diante da vida e do mundo.

Segundo Piaget (1972), a interdisciplinaridade é uma forma de pensar. Ele sustentava a ideia de que ainterdisciplinaridade é uma forma de chegar à transdisciplinaridade, etapa que não ficaria na interação e reciprocidade entre as disciplinas, mas alcançaria um estágio em que não haveria fronteira entre elas.

Vivemos momentos difíceis, incertos; estamos diante de problemas que exigem soluções imediatas. Nossos medos e inseguranças têm que ceder lugar a inquietações que nos desafiem e nos estimulem na busca de novos caminhos para a educação escolar.

Este trabalho é o resultado do estudo que levou em consideração a análise e a reflexão oriundas da prática docente; que ele possa contribuir para a elaboração de projetos que visem à transdisciplinaridade como uma opção de vida. Acreditamos que o primeiro passo nessa direção é reconhecer que disciplinaridade e transdisciplinaridade não são excludentes, e, sim, que possuem uma dimensão complementar.

Transdisciplinaridade: é preciso uma nova postura ante a realidade

Somos parte de uma sociedade que cada vez mais compartilha sua vida com coisas e máquinas, que é refém de um consumismo desenfreado, visivelmente exposta à perda de valores éticos e humanísticos. Nos dias de hoje, o exercício da cidadania acaba se reduzindo apenas à realização de um trabalho profissional com o objetivo de “ganhar a vida”. Priorizando esse propósito, segundo a economista Hazel Henderson (apud Capra, 1995, p. 193), “estamos glorificando algumas de nossas predisposições humanas menos louváveis: cobiça material, competitividade, orgulho, egoísmo e ganância pura e simples”. Com muita propriedade, Erich Fromm (1986) aponta que “a falta de discernimento entre o senso de ser e a possibilidade de ter nos torna suscetíveis à manipulação de nossos desejos e do sentido profundo de nossas vidas” (p. 25).

Em Cabeça bem feita, Morin (2002) defende como prioridade máxima que devemos ensinar a condição humana, em que o ser humano é a um só tempo físico, biológico, psíquico, cultural, social e histórico.

Na atual sociedade midiática, a internet e os recursos tecnológicos possibilitam o acesso, a produção e a veiculação das informações com velocidade espantosa, sem limites temporais ou espaciais. Mais significativamente, do século XIX em diante, com o desenvolvimento dos motores de combustão, a velocidade assumiu importância social e histórica no legado das invenções humanas. O historiador Eric Hobsbawm (1995), analisando o século XX, declarou que nos últimos cinquenta anos a humanidade viu inserir em seu convívio mais inovações do que em todo o resto de sua história. Essa afirmação é assustadora.

Os processos de ensino com uso de computadores e ambientes virtuais de aprendizagem sugerem transformações prementes no redimensionamento do papel da escola e do professor. Com clareza, Drucker (1999) chama nossa atenção quando afirma que “a tecnologia será importante, mas principalmente porque nos força a fazer coisas novas, e não porque irá permitir que façamos melhor as coisas velhas” (p. 189).

Para J. Luis Cebrián (1999), a velocidade é responsável pelas mudanças fundamentais na sociedade do conhecimento. Para ele, a velocidade é uma constante, pois há velocidade na transmissão (instantaneidade da rede), velocidade de transformação e aperfeiçoamento do sistema (hardware e software) e velocidade na incorporação dos usuários. Se eu posso me comunicar simultaneamente com alguém aqui ou no Tibete, reconheço no espaço a contiguidade universal. No ciberespaço, o tempo real é o tempo presente. Isso tudo nos leva a concluir que a velocidade de transporte da informação no ciberespaço tende ao infinito...

As transformações em nossas vidas decorrentes do desenvolvimento tecnológico são perceptíveis a cada dia, a todo momento. Mas não paramos muito para pensar que, enquanto milhões de pessoas têm acesso à aquisição de um novo celular em substituição ao “velho” porque este não toca MP3, milhões de pessoas sequer têm acesso a um pedaço de pão e morrem por conta disso.

Um aspecto relevante e consequente da universalização do crescente desenvolvimento tecnológico é o inevitável controle informacional das culturas dominantes sobre as nações periféricas. A socialização das novas descobertas que contribuem para uma melhor qualidade de vida vem acompanhada de uma inserção sociopolítica coerciva e impositiva para as populações que lutam pela sua autonomia (Gouvêa, Oliveira, 2006).

Essa realidade se configura nos processos de exclusão que são de longa data. Mais de dois bilhões de pessoas em nosso planeta não têm acesso ao conhecimento impresso, e só no nosso país são mais de cinquenta milhões de analfabetos. Não ter acesso à educação básica é o cerne da exclusão social porque limita a oportunidade emancipatória do indivíduo. Cabe à educação fazer uso das tecnologias de comunicação e informação para dinamizar os processos educacionais, encarando, segundo o Relatório Delors (1998), “os desafios das sociedades da informaçãona perspectiva de um enriquecimento contínuo dos saberes e do exercício de uma cidadania adaptada às exigências do nosso tempo” (p.68).

Considerar a evolução das tecnologias de informação e comunicação em uma dimensão comunicacional merece uma conjunção com a dimensão psíquico-afetiva do indivíduo. O professor José Manuel Moran (2005) aponta que quanto mais tecnologias avançadas mais a educação precisa de pessoas humanas, competentes, evoluídas e éticas. Pierre Lévy (2000) chama a atenção para a valorização das transformações de natureza qualitativa nos processos de aprendizagem face às novas tecnologias de informação e comunicação, colocando-nos diante de novos paradigmas para a aquisição de conhecimentos, constituição de saberes e formação de competências básicas.

Segundo Carvalho (apud Morin, 2003, contracapa),

a educação do século XXI nos desafia a repensar os rumos que as instituições educacionais terão que assumir se não quisermos sucumbir na inércia da fragmentação e da excessiva disciplinarização, características dessas últimas décadas de mundialização neoliberal.

É preciso muito cuidado para não nos deparamos com a necessidade de inovações e vermos na superação dos modelos vigentes a solução para todos os problemas. Severino Antônio (2002), com propriedade, esclarece que

um pensamento mecanicista não pode ser superado de modo mecanicista. A complexidade da passagem para um paradigma holístico e transdisciplinar é, ao mesmo tempo, muito profunda e muito sutil. Algumas dimensões do mundo podem ser descritas e explicadas pela Física de Galileu e Newton e pela análise cartesiana. Outras dimensões, especialmente do macro e do microcosmos, que se abrem ao infinitamente grande e ao infinitamente pequeno, precisam de outros princípios, outros conceitos. Há dimensões deterministas e há dimensões probabilistas na natureza. Elas se interpenetram complexamente. Não se trata de abandonar completamente a mecânica clássica nem o procedimento analítico. Trata-se de reconhecer seus limites, seu campo de validade. Trata-se, principalmente, de superar o mecanicismo que dominou a mentalidade científica dos séculos XVIII e XIX (p. 58).

O autor remete à reflexão e nos traz à memória fatos que exemplificam essa realidade. A metáfora do “conhecimento como rede”, a “vida como teia” são modelos de que hoje dispomos para valorizar e resgatar princípios humanos essenciais. De algum modo nós os perdemos, e a certeza disso fica clara, por exemplo, no pequeno trecho da carta escrita, em 1854, há mais de um século e meio, pelo chefe Seattle ao presidente Franklin Pierce, após o governo americano ter dado a entender que desejava adquirir o território da tribo:

Isto nós sabemos. O homem não teceu a teia da vida. Ele é apenas um de seus fios. A Terra não pertence ao homem, o homem pertence à Terra. Tudo o que fizer à trama, a si mesmo fará. Isto nós sabemos. Todas as coisas estão ligadas como o sangue que une a família. Todas as coisas estão ligadas. Tudo o que acontecer com a Terra, acontecerá aos filhos da Terra (Antônio, 2002, p. 59).

Essa carta, em sua íntegra, é um exemplo que revela a sabedoria e a sensibilidade de um homem consciente da complexidade da vida humana no nosso planeta. À luz das palavras de Nicolescu (2000) sobre transdisciplinaridade – “seu objetivo é a compreensão do mundo presente, para o qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento” (p. 13) –, a carta do chefe indígena não deixa dúvida de que apenas a palavra é nova...

Transdisciplinaridade: simples e complexo como respirar

Atualmente, a busca de uma nova compreensão da natureza e da vida humana em nosso planeta necessita de uma participação social cada vez mais abrangente. Com um pouco mais de ênfase, poderíamos dizer que as transformações e inovações só são cabíveis e só se instauram de forma legítima com a participação efetiva da sociedade. Mas em uma sociedade caracterizada pela globalização, que faz emergir a exclusão da maioria da população concentrada em um território degradado, em que pobres de todas as naturezas lutam contra todos os carecimentos, como aponta Milton Santos (2002), é preciso estar atento aos processos de inclusão social, principalmente no que tange à elaboração de políticas públicas.

A sociedade paga (e não é pouco) por uma universidade que não orienta os resultados de suas ações para a produção de conhecimento e o desenvolvimento de saberes que contemplem as aspirações e as necessidades reais da população. O que temos é uma instituição que “se esquece” de sua função essencialmente social. Nesse sentido, Fávero (1980) defende a importância das atividades de extensão universitária para difundir o saber universitário, oferecendo a uma clientela não regular programas que transcendem os currículos convencionais, realizando pesquisas e experimentos diretamente nas comunidades.

Ainda somos reféns de uma universidade que prioriza a pesquisa por áreas disciplinares, que ainda supervaloriza a formação de especialistas. Oportunamente, cabe aqui o relato de uma experiência narrada pelo eminente professor Rubem Alves (2007), surpreendido em sua casa pela presença de um colega aposentado, de excelente reputação profissional, que, indignado e surpreso, dirigiu-se a ele dizendo que o livro que escreveu contando todo o seu aprendizado de vida não seria publicado por não ter sido considerado “científico”. Rubem Alves lamentou e pensou: “Uma sabedoria de vida tinha de ser calada: não era científica. As inquisições de hoje, não é mais a Igreja que as faz” (Alves, 2007, p. 81). No momento em que o educador ouviu o colega, após o desabafo, olhou para ele, desorientado, e formulou a pergunta: “Rubão, o que é científico?”. Rubem Alves (2007) – que diz não ser filósofo porque não pensa a partir de conceitos, que seu pensamento se nutre do sensual e ele precisa ver – conta que, em resposta à pergunta de seu amigo, apareceram imagens em sua cabeça que valem a pena ser reproduzidas aqui:

Era uma vez uma aldeia às margens de um rio, rio imenso cujo lado de lá não se via; as águas passavam sem parar, ora mansas, ora furiosas, rio que fascinava e dava medo; muitos haviam morrido em suas águas misteriosas. (...)

O rio era a morada de muitos seres misteriosos. Alguns repentinamente saltavam de suas águas, para logo depois mergulhar e desaparecer. Outros, deles só se viam os dorsos que se mostravam na superfície das águas. E havia as sombras que podiam ser vistas deslizando das profundezas, sem nunca subir à superfície. Contava-se, nas conversas à roda do fogo, que havia monstros, dragões, sereias e iaras naquelas águas, sendo que alguns suspeitavam mesmo que o rio fosse morada de deuses. (...)

Mas tudo eram suposições. (...) Nunca haviam conseguido capturar uma única criatura das que habitavam o rio: todas as suas magias, encantações, filosofias e religiões haviam sido inúteis: haviam produzido muitos livros, mas não haviam conseguido capturar nenhuma das criaturas do rio.

Assim foi por gerações sem conta.

Até que um dos aldeões pensou um objeto jamais pensado. (...) Ele imaginou um objeto para pegar as criaturas do rio. Pensou e fez. Objeto estranho: uma porção de buracos amarrados por barbantes. Os buracos eram para deixar passar o que não se desejava pegar: a água. Os barbantes eram necessários para pegar o que se desejava pegar: os peixes. Ele teceu uma rede (Alves, 2002, p. 82-83).

Conta Alves (2007) que, apesar de todos rirem da invenção do aldeão, ele jogou a rede no rio e foi dormir. No dia seguinte, para surpresa de todos, estava na rede, “enroscada, uma criatura do rio: um peixe dourado” (p. 83).

A partir de então, uma nova fase teve início na vida desses aldeões. A dedicação à nova invenção possibilitou a criação dos mais variados tipos de redes e a pesca dos mais diferentes tipos de peixes. E, continua Alves (2007):

Os pescadores-fabricantes de redes ficaram muito importantes. Porque os peixes que eles pescavam tinham poderes maravilhosos para diminuir o sofrimento e aumentar o prazer. Havia peixes que se prestavam para ser comidos, para curar doenças, para tirar a dor, para fazer voar, para fertilizar os campos e até mesmo para matar. Sua arte de pescar lhes deu grande prestígio, e eles passaram a ser muito respeitados e invejados.

Os pescadores-fabricantes de redes se organizaram numa confraria. Para pertencer à confraria, era necessário que o postulante soubesse tecer redes e que apresentasse, como prova de sua competência, um peixe pescado com a rede que ele mesmo tecera.

Mas uma coisa estranha aconteceu. De tanto tecer redes, pescar peixes e falar sobre redes e peixes, os membros da confraria acabaram esquecendo a sua própria linguagem, a linguagem do povo da aldeia. Puseram, em seu lugar, uma linguagem apropriada a suas redes e a seus peixes, que tinha de ser falada por todos os seus membros, sob pena de expulsão. A nova linguagem recebeu o nome de ictiolalês (do grego ichthys = peixe + lalia = fala). Como bem disse Wittgenstein, “os limites da minha linguagem denotam o limite do meu mundo”. Meu mundo é aquilo sobre o que posso falar. A linguagem estabelece uma ontologia. Os membros da confraria, por força de seus hábitos, passaram a pensar que só era real aquilo sobre o que eles sabiam falar, isto é, aquilo que era pescado com redes e falado em ictiolalês. Qualquer coisa que não fosse peixe, que não fosse apanhado com redes, que não pudesse ser falado em ictiolalês, eles recusavam e diziam: “Não é real” (p. 84-85).

Rubem Alves (2007), com sensibilidade e sabedoria, revela o mundo dos pescadores dessa aldeia:

Quando as pessoas lhes falavam de nuvens, eles diziam: “Com que rede esse peixe foi pescado?”. A pessoa respondia: “não foi pescado, não é peixe”. Eles punham logo fim à conversa: “Não é real”. O mesmo acontecia se as pessoas lhes falavam de cores, cheiros, sentimentos, música, poesia, amor, felicidade. Essas coisas, não há redes de barbante que as peguem. A fala era rejeitada com o julgamento final: “Se não foi pescada no rio com rede aprovada não é real”.

As redes usadas pelos membros da confraria eram muito boas? Muito boas. Os peixes pescados pelos membros da confraria eram bons? Muito bons.

As redes usadas pelos membros da confraria se prestavam para pescar tudo o que existia no mundo? Não. Há muita coisa no mundo, muita coisa mesmo, que as redes dos membros da confraria não conseguem pegar. São criaturas mais leves, que exigem redes de outro tipo, mais sutis, mais delicadas. E, no entanto, são absolutamente reais. Só que não nadam no rio (p. 85).

Rubem Alves (2007) termina essa história com as seguintes palavras:

Meu colega aposentado, com todas as credenciais e titulações, mostrou para os colegas um sabiá que ele mesmo criara. Fez ele cantar para eles, e eles disseram: ‘não foi pego com as redes regulamentares; não é real; não sabemos o que é um sabiá; não sabemos o que é o canto de um sabiá...’

Sua resposta está respondida, meu amigo: o que é científico?

Resposta: é aquilo que caiu nas redes reconhecidas pela confraria dos cientistas. Cientistas são aqueles que pescam no grande rio...

Mas há também os céus e as matas que se enchem de cantos de sabiás... Lá as redes dos cientistas ficam sempre vazias (p. 86).

O professor Rubem Alves torna explícito o papel de nossa universidade e nos coloca diante de uma realidade que, mais do que perplexos, faz-nos sentir mobilizados, inquietos em nossas indagações.

As disciplinas são a linha de frente da defesa institucional da autonomia universitária. Esse tem sido o caminho para proteção da pesquisa da interferência de fatores não científicos. A departamentalização na universidade é uma forma organizacional adequada para conduzir a pesquisa baseada nas disciplinas (Ritto, 2010, p. 24).

Como lidar com essa “lógica” (grifo nosso) ou, melhor, com a falta dela? Não deveria ser a universidade o lugar que fomentaria e alimentaria as transformações e as mudanças sociais?

Na atualidade, o que vemos é uma contradição sobre “o que é conhecer”. E a pergunta de Ritto (2010) não poderia ser mais procedente:

Como construir e manter uma universidade participante de uma sociedade que aprende, de forma continuada, através da descoberta, aprendizado com a realidade e, sobretudo, uma universidade engajada nos ambientes políticos, econômicos e sociais em que se insere? (p. 19).

Não há dúvida de que “é conveniente inverter o papel tradicional da sociedade, de agente passivo das políticas públicas para ator central do processo de construção das condições para o desenvolvimento econômico e social” (Ritto, 2010, p. 15).

Tradicionalmente, a universidade é o lugar para criação, formalização e transmissão de conhecimento por meio do ensino, da pesquisa e extensão (Ritto, 2010). Mas a visão transdisciplinar é um requisito para a produção de conhecimento em contextos sociais, isto é, “produzir conhecimento requer uma abordagem transdisciplinar na medida em que o conhecimento é produzido no contexto da aplicação” (Ritto, 2010, p. 19).

Portanto, as questões do mundo atual, por serem de grande magnitude e complexidade, têm que ser tratadas por um processo de contextualização. Só pela contextualização as demandas sociais penetram no processo de pesquisa, influenciando a formulação dos problemas, a implantação de soluções e a avaliação de resultados (Ritto, 2010).

A contextualização pode ocorrer em diferentes graus, como função da intensidade da participação da sociedade (Ritto, 2010). Para o autor,

a contextualização é mais fraca na medida em que a sociedade coloca questões através de suas instituições formais que eventualmente são assistidas por consultores especialistas; o processo de contextualização é fraco quando a demanda social é colocada através de filtros da burocracia (p. 24).

Acreditamos que a educação é um exemplo que integra essa categoria. E a sociedade como um todo torna-se agente passivo das políticas públicas decisórias nesse setor.

É primordial estar permanentemente atento ao fato de que “a transdisciplinaridade não prescinde nem exclui os demais modos de interpretar o mundo, apenas considera suas lógicas reducionistas, ainda que relevantes” (Ritto, 2010). Nas palavras de Nicolescu, a concepção transdisciplinar tem como fundamentos a complexidade, a lógica ternária e a multidimensionalidade do mundo.

A complexidade: por não reduzir o conhecimento ao método cartesiano, ao princípio analítico, de dividir e dissociar, em busca do elemento e da relação mais simples. É preciso também religar, contextualizar e recontextualizar. É preciso considerar as relações recíprocas entre as partes e o todo. Assim, é preciso também transcender o esfacelamento dos saberes, enclausurados em disciplinas isoladas.

Lógica ternária: porque transcende a lógica binária do isso ou aquilo, reconhecendo o isso e aquilo, ou seja, o terceiro incluído.

Nesse ponto encontra-se com a lógica dialética, que reconhece que a árvore é e não é a semente de que se originou, e que a semente é e não é a árvore em que se tornou.

Multidimensionalidade do mundo: a realidade tem muitas dimensões, diferentes níveis, diferentes campos, com lógicas específicas. À realidade multidimensional corresponde o sujeito multirreferencial, de diferentes intencionalidades (Antônio, 2002, p. 61-62).

É preciso cada vez mais olhar e viver o mundo em sua plenitude e sentir-se parte integrante de um todo enredado com os seus múltiplos componentes. Desse modo, ao longo de sua vida,

o ser humano se desenvolve e se constrói como sujeito e autor de sua existência em meio a um complexo processo que exige autoconsciência, coragem de escolher e experimentar caminhos novos, assim como uma grande paciência para retomar e refazer, permanentemente, o caminho já trilhado com vistas a avançar em novas direções e para novas possibilidades (Santos Neto, 2006, p. 35).

A prática educativa em direção à transdisciplinaridade

A concepção transdisciplinar adquiriu dimensão internacional no século XX, em 1994, com a Primeira Grande Manifestação Mundial da Transdisciplinaridade, apoiada pela Unesco e com participação de Basarab Nicolescu, Edgar Morin e Lima de Freitas. Desse evento resultou a Carta da Transdisciplinaridade (comitê de redação: Basarab Nicolescu, Edgar Morin e Lima de Freitas).

O educador tem papel determinante na formação do futuro homem ou mulher de nossa sociedade. É através da educação que podemos ter uma compreensão melhor do mundo em que vivemos. A escola cidadã, defendida por Gadotti, respeita a diversidade, valoriza a autonomia e mostra a necessidade de trabalhar com a multiculturalidade.

A transdisciplinaridade amplia a noção de cidadania para além da vivência consciente e crítica dos direitos e deveres, incluindo a vivência consciente e crítica de si mesmo. Uma educação com tais características transcende o confronto com as questões intelectuais, políticas, econômicas e culturais. Nas palavras de Santos Neto (2006), encontramos essa conjunção:

tão importante quanto conhecer e discutir as ideologias políticas em vista da transformação social é também importante: o autoconhecimento; o trabalho com o corpo, com as emoções, com a razão e com o espírito; o desenvolvimento da consciência ecológica; o respeito pelas diferenças pessoais, coletivas e raciais; a articulação entre o mundo da interioridade e da exterioridade sócio-político-econômica em uma realidade onde todas as dimensões estão interligadas (p. 42).

É fundamental que o aluno seja preparado para a percepção de sua subjetividade, como a apreensão e articulação do mundo subjetivo e objetivo a partir de sua experiência.

Focalizando o universo escolar, é de fundamental importância o papel das propostas curriculares, que não devem considerar apenas os aspectos históricos, políticos, sociológicos e epistemológicos. O currículo tem que vincular esses aspectos às dimensões humanas emocionais, éticas, espirituais e ecológicas. Essa concepção transdisciplinar do currículo estabelece novos referenciais quanto aos objetivos e estratégias de trabalho.

Uma das maiores dificuldades que nós, professores, encontramos na concretização de um projeto pedagógico é o momento de sair do plano da intenção (proposta) e colocá-lo no plano da ação (prática). É comum vermos como justificativa para as dificuldades encontradas aquela que faz referência apenas às questões estruturais e organizacionais. Mas o ser humano é, para além de seu corpo/razão/sentimento, também espiritualidade, e todas essas dimensões integradas passam pela subjetividade da relação professor/aluno constituída. Mais explicitamente, são desconsideradas várias dificuldades: dificuldades em trabalhar com as diferenças pessoais, dificuldades para implementar novas práticas, dificuldades com a falta de esperança, dificuldades com o descaso dos alunos, dificuldades com a ruptura dos modelos vigentes, dificuldades para lidar com o medo do fracasso etc. Além do mais, parafraseando Albert Einstein, “é mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito”.

A relação pedagógica que envolve professor/aluno deve ir além do mero encontro de personas (proteção exterior do ser, máscaras, no sentido junguiano).

Para um processo mais adequado de aprendizagem, é importante considerar a influência de todos os planos da consciência que se manifestam nas dimensões corpórea, emocional, racional e espiritual. Isto quer dizer que a aprendizagem não é só intelectual, mas também corpórea, emocional e espiritual (Santos Neto, 2006, p. 70).

Na educação, em especial, uma queixa constante é usada como motivo para a não implantação de projetos ou trabalhos em direção a uma prática transdisciplinar: a solidão por falta de envolvimento dos colegas e das instituições escolares como um todo. Mas, como alerta Ritto (2010),

é necessário ter em mente que o discurso da participação de todos, seja pela via da problematização, seja pela via do modelo de gestão, é de difícil implantação na prática; a quantidade de experiências que ficaram na idealização da participação sem conseguir envolver as pessoas é suficiente para que essa preocupação seja mantida em perspectiva (p. 43).

Toda mudança demanda muita energia e, em alguns casos, é como se tivéssemos que matar um leão a cada dia, mas alimentar o que subjaz à estagnação e à postura inerte nos expõe, compromete a nossa ética e os princípios essenciais da dignidade humana.

Concordamos com Silvio Gallo (2001) quando ele diz que a escola é o lugar onde se aprende a assumir posturas. As transformações sociais ocorrem a partir das transformações das subjetividades pessoais e coletivas. “Nos grupos transformam-se as pessoas, suas práticas e suas relações com a sociedade circundante. A partir daí podemos começar a mudar espaços mais amplos da sociedade” (Boff, 1994, p. 74).

Para Nicolescu (2000), a abordagem transdisciplinar procura transformar a organização do currículo em redes a serem exploradas de forma a transcender as disciplinas, respeitando o exercício da disciplinaridade, a prática da multidisciplinaridade, da interdisciplinaridade e do holismo.

Exemplo concreto: mapa conceitual – um recurso pedagógico

Uma visão transdisciplinar, a partir de uma abordagem relacional, contextualizada, não só desmitifica a especificidade disciplinar como propõe um novo entendimento da realidade. Os conteúdos de disciplinas tidas como áridas, como Matemática, por exemplo, assumem nova interpretação e compreensão. Vejamos como o professor de Matemática, a partir do cotidiano de sua sala de aula, pode abordar e desenvolver um determinado tema transcendendo a prática disciplinar.

Ao explorar com os alunos os conteúdos pertinentes ao tema porcentagem, o professor pretende levar o estudante a pensar não somente nos conteúdos específicos de Matemática, mas estabelecer uma relação de sentido entre eles, favorecendo uma visão contextualizada, a fim de que o aluno possa:

-   reconhecer que todas as disciplinas, sendo fruto da criação do homem, evoluem sofrendo influências sociais, culturais e econômicas etc.;
-   perceber que o pensamento simbólico deve estar sempre ligado a situações reais que tenham significado e sentido para o indivíduo, como experiências e vivências anteriores ou atuais, e que nunca está isolado da ação;
-   compreender que as diversas áreas do conhecimento e suas redes de saberes podem e devem priorizar todas as formas de raciocínio, contribuindo para a conscientização dos valores humanos e a formação cidadã;
-   buscar soluções para questões polêmicas, através da troca de ideias e experiências, possibilitando a expressão de sentimentos, valores e condutas, sentindo-se respeitado na sua individualidade;
-   tomar ciência de que a quantificação dos aspectos envolvidos nos problemas ambientais conduzem a uma visão mais clara desses, facilitando a tomada de providências e decisões;
-   reconhecer que as soluções conjuntas para os problemas práticos da vida cotidiana envolvem e abrangem as mais diversificadas formas de ação humana (cognitivas, sociais, motoras, afetivas, emocionais, racionais, sensitivas...);
-   valorizar a troca de experiências, respeitando a opinião do outro, para que temas relacionados à saúde e à sexualidade possam ser abordados sem preconceito;
-   consolidar os princípios da ética e da dignidade, estendendo-os à leitura crítica de informações veiculadas pela mídia que não condizem com a realidade;
-   promover ações coletivas, levando o aluno a perceber que o homem é um ser eminentemente social, que ao agir em comunidade sente-se fortalecido na busca de soluções que afetem as pessoas, o meio, o grupo, a escola etc.

Um recurso que pode contribuir, significativamente, para a consecução desses objetivos é o mapa conceitual. Cabem aqui algumas considerações a respeito de sua estrutura básica. O mapa conceitual é uma representação gráfica de um conjunto de conceitos construídos e organizados de tal forma que as relações entre eles sejam evidentes. Os conceitos aparecem em caixas e as relações entre os conceitos são especificadas por frases de ligação. Dois ou mais conceitos conectados pelas frases de ligação são chamados de proposição; são uma característica particular dos mapas conceituais por evidenciar o significado da relação conceitual.

A fundamentação teórica que deu origem aos mapas conceituais é baseada na teoria da aprendizagem significativa, do psicólogo americano David Ausubel (1980), que defende a ideia de que a aprendizagem ocorre de forma significativa quando um novo conceito (teoria, proposição ou ideia) é incorporado às estruturas de conhecimento do aluno e adquire significado a partir de sua relação com os conhecimentos prévios.

Nesse processo dinâmico, a teoria da aprendizagem significativa pressupõe que é fundamental a interação com o conhecimento preexistente do indivíduo para que a inserção do novo promova a reconstrução do conhecimento por meio de redes de significado que se estruturam e reestruturam em contínuo processo de transformação.

Na educação, os mapas conceituais têm enriquecido os projetos educacionais e contribuído para a inovação pedagógica no que tange ao processo avaliativo. O professor acompanha o processo de aprendizagem do aluno e pode contribuir para o seu desenvolvimento a partir das relações conceituais que ele elabora e das redes de significado que ele constrói. Aplicado ao ensino de qualquer disciplina, o mapa conceitual é essencialmente multidisciplinar e também adequado ao contexto transdisciplinar. Os mapas conceituais não valorizam apenas os aspectos cognitivos; ampliam esse universo, auxiliando na integração de conhecimentos, incorporando aspectos humanísticos, emoções e sentimentos.

Vejamos, a seguir, o mapa conceitual de um professor de matemática sobre o estudo da porcentagem.



Figura 1: Mapa conceitual de porcentagem

Para Marco Moreira (1986), os mapas conceituais são diagramas hierárquicos que procuram refletir a organização conceitual de uma disciplina, conteúdo ou tema qualquer, valorizando a capacidade de síntese, a organização das ideias, a coerência nas relações entre os conceitos e a formatação estética. Pelo mapa conceitual, pode-se evitar que o aluno aprenda mecanicamente; o professor propicia uma aprendizagem significativa, que será decorrente da interação entre o novo conhecimento e o conhecimento prévio do aluno.

Durante o processo de construção do mapa conceitual, o aluno exercita a sua capacidade de estabelecer relações entre os conhecimentos que já tem e os que vão sendo adquiridos no decorrer do processo. O mapa conceitual pode ser desenhado com lápis e papel ou com programas específicos gratuitos na internet. Uma característica do mapa conceitual é que ele não apresenta uma estrutura fechada; pode ser modificado tantas vezes quanto for necessário, com o objetivo de ampliar e agregar novos conteúdos e novos conceitos. Para o professor, as alterações realizadas são uma oportunidade para acompanhar o processo de aprendizagem, isto é, o professor observa como o aluno progride de acordo com o tempo: os interesses, as habilidades e as competências de cada indivíduo.

Exceto em casos de total falta de senso crítico e compreensão mínima, não há relevância em qualificar um mapa conceitual de certo ou errado, pois, sendo uma representação do conhecimento, ele se encontra em permanente processo de construção.

Os mapas conceituais ainda são pouco utilizados no ensino convencional por serem recursos de difícil avaliação quantificável. É necessária uma nova maneira de avaliar o conhecimento adquirido, promovendo a aprendizagem significativa, que prioriza a compreensão e interpretação pessoal do aluno. Segundo Moreira (1997),

na medida em que os alunos utilizarem mapas conceituais para integrar, reconciliar e diferenciar conceitos, na medida em que usarem essa técnica para analisar artigos, textos, capítulos de livros, romances, experimentos de laboratório e outros materiais educativos do currículo, eles estarão utilizando o mapeamento conceitual como um recurso de aprendizagem.

Para o professor, o mais importante não deve ser o mapa em si, mas como o aluno externaliza as relações que estabelece, pois, pela análise da sequência lógica de seus conceitos, o professor pode acompanhar o processo de crescimento do aluno, orientando e favorecendo a aprendizagem significativa.

Os mapas conceituais compartilhados, elaborados em grupos de alunos, propiciam que o professor-educador trabalhe a troca e o diálogo, a superação do individualismo, promovendo ao mesmo tempo a tolerância, o espírito de solidariedade e a afetividade entre todos os envolvidos.

De forma sucinta, o estudo da porcentagem no ensino convencional costuma ser apresentada ao aluno com prioridade nos conceitos que se encontram nos retângulos em vermelho (veja a Figura 1). Os professores de Matemática ou disciplinas afins têm por hábito promover o ensino de porcentagem partindo de definições e aplicações numéricas. O mapa conceitual proposto na Figura 1 mostrou uma visão ampliada na organização e construção dos conceitos que transcendem a aplicação imediatista de cálculos numéricos abstratos. Podemos perceber nas proposições criadas por ele que a porcentagem está inserida em um contexto e ele expressa a sua preocupação em não reduzir o estudo da porcentagem apenas a “quanto vale X% de Y?”, por exemplo.

É importante reconhecer que esse é um exemplo de um professor que rompe os limites específicos de sua disciplina e desmitifica a obrigatoriedade de seguir apenas por caminhos predefinidos. Para o seu aluno, 50% não é apenas um número qualquer; esse percentual tem um significado, é dotado de sentido: “O dióxido de carbono (CO2) é responsável por 50% do efeito estufa” ou “No Nordeste a subnutrição atinge quase 50% das crianças menores de 5 anos” (Tavares, 1993, p. 15).

É no espaço sagrado de nossa sala de aula que enveredamos magicamente por todos os caminhos imagináveis e inimagináveis que a mente humana pode alcançar. “Uma educação autêntica não pode privilegiar a abstração no conhecimento. Deve ensinar a contextualizar, concretizar e globalizar” (artigo 11º da Carta da Transdisciplinaridade). Essa experiência ímpar e enriquecedora cria condições favoráveis para que se estabeleçam diálogos abertos e os alunos experimentem a liberdade de opinar e expressar suas ideias com autoconfiança. Como ensina Milton Santos, é possível pensar na realização de um mundo de bem-estar, em que os homens serão mais felizes. Uma educação transdisplinar pode começar em qualquer lugar; ela só precisa de pessoas que acreditem nela e que façam da visão transdisciplinar uma atitude para se colocar diante da realidade e do mundo.

V - Considerações finais

Integramos um mesmo mundo, e “a diversidade de visões não impede (pelo contrário, pede) que cheguemos a acordos (consensos sociais) sobre o mundo em que vivemos” (Ritto, 2010). Com a globalização, os nossos olhos, perplexos diante da possibilidade de ver cada vez mais longe, estão deixando de olhar para dentro de nós mesmos, para o nosso interior, e o que distingue o homem do animal é a consciência de si mesmo. Sob uma visão transdisciplinar, essa “consciência de si mesmo” integra o espírito, o sagrado, o subjetivo, tudo o que mais nos caracteriza como seres humanos.

Apesar de ainda trabalharmos com a especificidade disciplinar, todos os temas devem e podem ser tratados em conformidade com as condições e interesses do momento, de forma gradativa e permanente, por todas as disciplinas, em favor dos valores e das virtudes que apoiam os princípios da dignidade, da justiça, da paz, enfim, da autonomia humana.

Hoje, é cada vez mais indissociável, no nosso planeta, o binômio condição humana/miséria humana. Mais de 900 milhões de pessoas passam fome. Embora a educação sofra com os limites impostos pelas condições políticas e sociais, ela ainda ocupa um espaço privilegiado na vida das crianças, jovens e adultos que enfrentam toda a sorte de dificuldades para concluir seus estudos. Embora saibamos que o diploma não mais garante um lugar no mercado de trabalho, por causa de uma extremada competitividade, temos certeza de que sem ele não haverá luz no final do túnel.

Para Fichmann (2003), o grande desafio está em desenvolver as ações, mantendo a visão, a atitude e a prática transdisciplinar, criando pontes entre a teoria e a prática, a fim de que os participantes do processo passem por transformações e rupturas cognitivas, perceptivas e atitudinais.

Sob uma visão pragmática, a origem do saber é indubitavelmente transdisciplinar. E se atentarmos para nós, pessoas humanas, não é difícil reconhecer a dimensão complementar – por que não dizer transdisciplinar – existente na interação dinâmica dos dois hemisférios de nosso cérebro.

Como aponta a socióloga Marilyn Ferguson, precisamos aprender a usar o nosso cérebro de forma holística, inteira:

À medida que a cultura se torna mais complexa, a ciência mais abrangente, as opções mais diversas, necessitamos de uma compreensão com todo o cérebro como nunca antes: o hemisfério direito para inovar, sentir, imaginar, sonhar; o esquerdo para analisar, verificar, elaborar e apoiar a nova ordem. Juntos, eles inventam o futuro (apud Tavares, 1993, p. 129).

Quando começamos a discutir teorias e assuntos do interesse de todos no mundo atual, a analisar áreas do conhecimento nas quais focalizamos as nossas preocupações, sempre falamos na educação.

É na escola que experimentamos a diversidade e aprendemos a contextualizar o conhecimento, desenvolvendo competências que irão tornar-nos capazes de intervir na realidade para transformá-la. É nesse microcosmo social que aprendemos que o exercício da cidadania é um ato diário e que cabe ao homem tomar decisões diante das situações que comprometem a sua sobrevivência e a sua qualidade de vida.

Uma educação transdisciplinar visa à inteireza do ser humano, amplia o ato cognitivo, promove uma sabedoria que esclarece o indivíduo, tornando-o ciente de sua autonomia e sensibilidade pela autoconsciência.

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Publicado em 12 de abril de 2011

FonteEducação Pública - RJ