Antes de apresentar a temática desse encontro... recomendamos um ótimo vídeo que retrata o poder da leitura sobre as crianças. Vamos dar asas à imaginação!
O CONCEITO DE GÊNERO TEXTUAL E SEU USO EM AULA
Para trabalhar com gêneros nas aulas, deve-se ter atenção às razões de sua escolha, às características e às funções do tipo selecionado. Isso é essencial para elaborar bons planos de aula e para que esses resultem em relatos de experiência excelentes
Por Rita Jover-Faleiros
1. Fatores a considerar no trabalho em sala
Há cerca de dez anos, durante uma sessão de fechamento dos trabalhos
do Congresso de Leitura (Cole), evento organizado a cada dois anos pela
Associação de Leitura do Brasil na Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP), um eminente pesquisador da área dizia-se impressionado pelo
modo como o conceito de gênero textual marcara presença
entre os trabalhos apresentados naquele ano. Segundo o professor, a
tendência era o conceito aparecer cada vez mais. Ele tinha mesmo razão.
"Gênero" tornou-se uma referência comum em pesquisas, propostas
curriculares e nas práticas de sala durante as aulas de Língua
Portuguesa.
De fato, há grande consenso quanto ao interesse em se explorar a noção de gênero textual em contexto didático. Entretanto, para que essa atividade seja proveitosa, é necessário que o professor esteja bastante consciente de alguns fatores:
De fato, há grande consenso quanto ao interesse em se explorar a noção de gênero textual em contexto didático. Entretanto, para que essa atividade seja proveitosa, é necessário que o professor esteja bastante consciente de alguns fatores:
- Quais as razões para selecionar determinado gênero;
- Quais características o configuram;
- Quais as funções específicas do gênero selecionado;
- Quais objetivos de aprendizagem (específicos à área) o gênero selecionado propicia atingir junto a seu grupo de alunos;
- Que saberes prévios e estratégias de leitura ativa o gênero selecionado mobiliza.
2. Uma breve história do conceito de gênero
Para começar, vale a pena expor uma breve história do conceito de
gênero. Como nos ensina o linguista Luiz Antônio Marcuschi no artigo
"Gêneros textuais: definição e funcionalidade" (presente no livro Gêneros textuais & ensino),
os gêneros são formas presentes já em povos de cultura essencialmente
oral, e passam a se multiplicar com o advento da escrita alfabética por
volta do século 7 a.C.
Isso significa que tratar da gênese dos gêneros implica falar da relação com o homem com a linguagem ao longo de toda a história. Como defende o célebre filósofo da linguagem Mikhail Bakhtin (1895-1975), só nos comunicamos por meio de gêneros.
A apropriação do conceito pelo ensino, porém, é bem mais recente. Nesse sentido, merecem destaque os trabalhos dos pesquisadores Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz, da Universidade de Genebra. No Brasil, um marco importante são os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), de 1998. No documento, a organização curricular em Língua Portuguesa dos anos equivalentes ao Ensino Fundamental 2 aparece estruturada sobre o conceito de gênero textual.
A partir de então, cresce o interesse pelo conceito e sua aplicação em sala. Tive uma mostra disso no ano de 2012, quando fui selecionadora do Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10. Entre os trabalhos inscritos, realizados por professores de todas as regiões do Brasil - de escolas rurais ou urbanas, públicas ou privadas, resultando num quadro cultural e socioeconômico bastante heterogêneo -, é possível identificar traços comuns dentro da diversidade.
Uma das semelhanças diz respeito ao fato de que, em parte significativa dos projetos, havia interesse comum pelo desenvolvimento de propostas orientadas pela noção de gênero textual. Como reforcei anteriormente, quem deseja trilhar esse caminho deve ter consciência de suas escolhas, levando em conta aspectos que abordarei a seguir.
Fonte: Revista Nova Escola
Isso significa que tratar da gênese dos gêneros implica falar da relação com o homem com a linguagem ao longo de toda a história. Como defende o célebre filósofo da linguagem Mikhail Bakhtin (1895-1975), só nos comunicamos por meio de gêneros.
A apropriação do conceito pelo ensino, porém, é bem mais recente. Nesse sentido, merecem destaque os trabalhos dos pesquisadores Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz, da Universidade de Genebra. No Brasil, um marco importante são os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), de 1998. No documento, a organização curricular em Língua Portuguesa dos anos equivalentes ao Ensino Fundamental 2 aparece estruturada sobre o conceito de gênero textual.
A partir de então, cresce o interesse pelo conceito e sua aplicação em sala. Tive uma mostra disso no ano de 2012, quando fui selecionadora do Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10. Entre os trabalhos inscritos, realizados por professores de todas as regiões do Brasil - de escolas rurais ou urbanas, públicas ou privadas, resultando num quadro cultural e socioeconômico bastante heterogêneo -, é possível identificar traços comuns dentro da diversidade.
Uma das semelhanças diz respeito ao fato de que, em parte significativa dos projetos, havia interesse comum pelo desenvolvimento de propostas orientadas pela noção de gênero textual. Como reforcei anteriormente, quem deseja trilhar esse caminho deve ter consciência de suas escolhas, levando em conta aspectos que abordarei a seguir.
3. O que é um gênero textual
Como nos ensina Bakhtin, gêneros textuais definem-se principalmente por sua função social. São textos que se realizam por uma (ou mais de uma) razão determinada em uma situação comunicativa (um contexto) para promover uma interação específica.
Trata-se de unidades definidas por seus conteúdos, suas propriedades
funcionais, estilo e composição organizados em razão do objetivo que
cumprem na situação comunicativa.
Explicando melhor: isso significa que, a cada vez produzo um texto, seleciono um gênero...
... em função daquilo que desejo comunicar;
... em função do efeito que desejo produzir em meu interlocutor;
... em função da ação que desejo produzir no meio em que me inscrevo.
Isso vale das trocas mais prosaicas do cotidiano, nos bilhetes registrados em post-its colados nas geladeiras, passando pelas mensagens eletrônicas, entrevistas (orais e escritas), bulas de remédio, orações, cordéis, dissertações, romances, piadas etc. Uma das principais características dos gêneros é o fato de serem enunciados que apresentam relativa estabilidade. É esse aspecto que permite, justamente, com que sejam compreendidos.
Um exemplo extremo disso está no gênero "bula de remédio". Nos idos dos anos 1980, a linguista francesa Sophie Moirand mostrou como a estabilidade desse tipo de enunciado permitiria que qualquer falante do francês sem conhecimento nenhum de grego pudesse localizar informações (nome comercial, princípio ativo e posologia, por exemplo).
Explicando melhor: isso significa que, a cada vez produzo um texto, seleciono um gênero...
... em função daquilo que desejo comunicar;
... em função do efeito que desejo produzir em meu interlocutor;
... em função da ação que desejo produzir no meio em que me inscrevo.
Isso vale das trocas mais prosaicas do cotidiano, nos bilhetes registrados em post-its colados nas geladeiras, passando pelas mensagens eletrônicas, entrevistas (orais e escritas), bulas de remédio, orações, cordéis, dissertações, romances, piadas etc. Uma das principais características dos gêneros é o fato de serem enunciados que apresentam relativa estabilidade. É esse aspecto que permite, justamente, com que sejam compreendidos.
Um exemplo extremo disso está no gênero "bula de remédio". Nos idos dos anos 1980, a linguista francesa Sophie Moirand mostrou como a estabilidade desse tipo de enunciado permitiria que qualquer falante do francês sem conhecimento nenhum de grego pudesse localizar informações (nome comercial, princípio ativo e posologia, por exemplo).
4. Como um gênero dá origem a outros
No item anterior, enumerei uma série de gêneros (bihlete
informal, bula de remédio, dissertações etc.) e poderia seguir numa
lista virtualmente infindável, pois justamente uma das características
dos gêneros textuais reside em sua transmutabilidade - ou seja, novas formas geradas a partir de formas já existentes.
Por exemplo: é possível considerar que um correio eletrônico guarda muitos traços comuns com a carta que costumávamos mandar pelo correio. Essa origem pode mesmo ser atestada pelo nome em português (correio eletrônico), em inglês (e-mail, abreviação para electronic mail) ou em francês (courriel, courrier para correio contraído com o adjetivo électronique).
A partir de uma disposição existente, a da carta, desenvolve-se uma forma relativamente nova, mas que guarda a familiaridade do gênero de que provém, adaptada às funções e objetivos do contexto em que é gerada. Se antes a carta estava contida em um envelope e, nele, algumas informações paratextuais (os endereços de destinador e destinatário), no gênero correio eletrônico essas informações passam a constar da mensagem, ainda que de forma periférica, mas com implicações na forma como redigimos.
Pensemos na data, que no correio eletrônico consta automaticamente dos cabeçalhos, ao passo que na carta era de responsabilidade do destinador indicar no texto ou à direita no papel. Todo sistema de referências temporais se articula a partir da informação dada, que não nos cabe inserir, nem alterar, pois ela é gerada pelo servidor que envia e recebe as mensagens.
5. O plano de aula e o relato de experiência como gêneros
Proponho, agora, analisar como as características dos gêneros - em especial sua função social, a estabilidade de enunciados e a transmutabilidade - aparecem em dois tipos de texto de fundamental importância para o professor.
Imaginemos que tenho a tarefa de elaborar uma aula e que essa elaboração deve estar registrada em uma estrutura que permita com que eu e outros leitores compreendamos. Existe algum gênero que se ajuste a essa intenção comunicativa? Sim: trata-se de um registro de aula a ser dada, que deve conter, digamos, objetivos, suporte, tempo destinado à atividade e metodologia. A articulação desses elementos em contexto didático nos remete ao gênero plano de aula.
As formas de anotação de um plano de aula variam de acordo com o professor e instituição, principalmente de acordo com as razões para seu registro. Mas, como regra, podemos dizer que trata-se de um plano, logo, de algo a ser realizado. Por essa razão, os verbos indicando as atividades devem aparecer no infinitivo ("debater", "dividir o grupo em duplas", "distribuir o texto para leitura", "ler" etc.) ou mesmo (para as anotações mais pessoais) no futuro simples ("debateremos", "dividirei o grupo em duplas", "distribuirei o texto para leitura", "leremos").
Suponhamos, agora, que um professor muito contente com os resultados da aplicação de um plano de aula resolva se inscrever num concurso, por exemplo. Para que esse professor possa adequar-se à nova situação de comunicação que se apresenta a ele, é necessário que transforme o que era o registro de suas intenções (seu plano de aula) em um relato de experiência.
Em outras palavras, é necessário descrever que as ações realizadas em sala de aula resultaram em uma atividade rica e transformadora de aprendizagem para seus alunos e para ele, e um dos elementos para que seja operada essa transformação é justamente a passagem dos verbos do infinitivo ou futuro (originalmente no plano de aula) para o pretérito perfeito (relato de experiência).
Analisar nossos planos e registros da atuação em sala com consciência dos aspectos fundamentais do conceito de gênero é uma caminho frutífero para que se elaborem bons planos de aula e para que esses resultem em relatos de experiência excelentes. O convite está feito!
Por exemplo: é possível considerar que um correio eletrônico guarda muitos traços comuns com a carta que costumávamos mandar pelo correio. Essa origem pode mesmo ser atestada pelo nome em português (correio eletrônico), em inglês (e-mail, abreviação para electronic mail) ou em francês (courriel, courrier para correio contraído com o adjetivo électronique).
A partir de uma disposição existente, a da carta, desenvolve-se uma forma relativamente nova, mas que guarda a familiaridade do gênero de que provém, adaptada às funções e objetivos do contexto em que é gerada. Se antes a carta estava contida em um envelope e, nele, algumas informações paratextuais (os endereços de destinador e destinatário), no gênero correio eletrônico essas informações passam a constar da mensagem, ainda que de forma periférica, mas com implicações na forma como redigimos.
Pensemos na data, que no correio eletrônico consta automaticamente dos cabeçalhos, ao passo que na carta era de responsabilidade do destinador indicar no texto ou à direita no papel. Todo sistema de referências temporais se articula a partir da informação dada, que não nos cabe inserir, nem alterar, pois ela é gerada pelo servidor que envia e recebe as mensagens.
5. O plano de aula e o relato de experiência como gêneros
Imaginemos que tenho a tarefa de elaborar uma aula e que essa elaboração deve estar registrada em uma estrutura que permita com que eu e outros leitores compreendamos. Existe algum gênero que se ajuste a essa intenção comunicativa? Sim: trata-se de um registro de aula a ser dada, que deve conter, digamos, objetivos, suporte, tempo destinado à atividade e metodologia. A articulação desses elementos em contexto didático nos remete ao gênero plano de aula.
As formas de anotação de um plano de aula variam de acordo com o professor e instituição, principalmente de acordo com as razões para seu registro. Mas, como regra, podemos dizer que trata-se de um plano, logo, de algo a ser realizado. Por essa razão, os verbos indicando as atividades devem aparecer no infinitivo ("debater", "dividir o grupo em duplas", "distribuir o texto para leitura", "ler" etc.) ou mesmo (para as anotações mais pessoais) no futuro simples ("debateremos", "dividirei o grupo em duplas", "distribuirei o texto para leitura", "leremos").
Suponhamos, agora, que um professor muito contente com os resultados da aplicação de um plano de aula resolva se inscrever num concurso, por exemplo. Para que esse professor possa adequar-se à nova situação de comunicação que se apresenta a ele, é necessário que transforme o que era o registro de suas intenções (seu plano de aula) em um relato de experiência.
Em outras palavras, é necessário descrever que as ações realizadas em sala de aula resultaram em uma atividade rica e transformadora de aprendizagem para seus alunos e para ele, e um dos elementos para que seja operada essa transformação é justamente a passagem dos verbos do infinitivo ou futuro (originalmente no plano de aula) para o pretérito perfeito (relato de experiência).
Analisar nossos planos e registros da atuação em sala com consciência dos aspectos fundamentais do conceito de gênero é uma caminho frutífero para que se elaborem bons planos de aula e para que esses resultem em relatos de experiência excelentes. O convite está feito!
Fonte: Revista Nova Escola
As referências apresentadas são muito boas. O vídeo indicado é uma graça!
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